Vencendo os Obstáculos no Caminho da Sabedoria
John Garrigues
John Garrigues (1868-1944) foi um dos
fundadores da Loja Unida de Teosofistas, em
Los Angeles, em fevereiro de 1909. O artigo a
seguir apareceu inicialmente de modo anônimo
na revista “Theosophy”, em novembro de 1920,
pp. 28-29. Uma análise do seu conteúdo e seu
estilo indica que ele foi escrito pelo Sr. Garrigues.
A imagem simbólica do caminho espiritual como
um combate, e do aprendiz como um guerreiro ou
chefe militar, está presente no Bhagavad Gita hindu,
na lenda de Jesus, no Novo Testamento cristão,
nas Cartas dos Mahatmas da literatura teosófica e
nos livros das mais diversas tradições de sabedoria.
Este é o tema do artigo “A Lei da Dificuldade”. [1]
(C. C. A.)
Adotemos como ponto de partida o fato de que existe em toda a natureza e em cada organismo a tendência de repetir cada ação realizada; e, em segundo lugar, o fato de que toda forma de consciência tem o poder de mudar qualquer ação ou sequência de ações.
Esta distinção entre consciência e forma mostra a dualidade essencial que há no fundo de toda manifestação descrita pelas palavras Espírito e Matéria.
Nenhum organismo tem qualquer inteligência ou poder de ação em si mesmo; ele é um produto, um efeito, e não uma causa. O corpo não tem luz própria, e a mente tampouco; e o mesmo ocorre, podemos acrescentar, com os outros “princípios” da consciência no ser humano [2] e na natureza. O poder de iniciar a ação, ou de mudar a ação, ou de perceber os resultados da ação, está na Consciência e não na forma; no Espírito, e não na Matéria.
Mas todo organismo, de qualquer tipo ou característica, é composto de formas de consciência, ou “vidas”, cada uma com o seu próprio círculo de percepção, sua capacidade de iniciar ações, sua capacidade de mudar - todas elas mantidas em algum tipo de unidade de ação e coerência de direção pela força de uma Vida superior que usa a sua combinação como um veículo ou instrumento para a sua própria ação, em um círculo maior do que seria possível obter de forma isolada.
A imagem simbólica de um exército, com o seu general no comando, os seus oficiais, seus soldados e um grau maior ou menor de disciplina, é uma ilustração exata da natureza de cada organismo, grande ou pequeno.
O ser humano é um organismo no qual o Eu Superior é o general no comando, e os diferentes princípios ou camadas [3] no seu exército têm suas divisões e soldados tirados de cada tipo de inteligência, de cada forma de consciência e ação possível neste sistema solar.[4] Os Mestres são Eus Superiores que colocaram os seus exércitos em um estado de perfeita disciplina e perfeito controle, e são capazes, portanto, de usar um poder de ação instantâneo e supremo em qualquer direção e qualquer plano da existência.
Até o momento presente, o ser humano ainda não conseguiu disciplinar o seu exército. Ele possui todos os elementos necessários em seu organismo, mas não tem certeza nem sobre si mesmo nem sobre seu exército. Falta a ele, em primeiro lugar, confiança em si mesmo; e, em segundo lugar, conhecimento sobre o que deve fazer e como fazer. Em outras palavras, a distância que ele deve percorrer para ter um verdadeiro exército é a mesma distância que ele deve percorrer para ser um verdadeiro general. Ele tem o comando, tem o poder, porque foi ele e mais ninguém que convocou seus soldados, vindos desde as seis direções no espaço; mas ele é alternadamente audaz e tímido, decidido e hesitante, excessivamente severo e excessivamente brando.
É claro que as entidades individuais que compõem o “exército”, ou a natureza, ou os princípios, ou os corpos do ser humano, têm, cada uma, a sua própria integridade; mas é igualmente claro que o “exército” não convocou a si mesmo, e que, na condição de exército, não tem a iniciativa, nem possui poder de qualquer espécie, a menos que seja instigado e orientado pelo ser humano e pelo Eu Superior, o general.
Os ensinamentos da teosofia são a arte da Guerra, que inclui a formação, a organização e o treinamento de exércitos, assim como o uso do exército quando ele estiver pronto para a guerra. O estudante é o Eu Superior que aprende e se prepara para ser um verdadeiro general. Ele está engajado nesta tarefa há um número incalculável de vidas. Ele já fez algum progresso, mas também cometeu muitos erros, e seus erros se refletem nos hábitos, nas tendências e nas características do seu exército.
Ninguém pode vencer os seus erros, exceto ele mesmo. E ele precisa lembrar que só um pequeno número dos seus soldados tem inteligência suficiente para tornar-se inteiramente flexível e obediente às suas instruções, suas orientações e ordens. Quase todos seus soldados têm seus desejos próprios, suas ambições e ideias próprias, que contrariam o propósito do general e destroem toda verdadeira disciplina do ponto de vista da organização de um exército. Se abandonados à sua própria sorte eles farão revoltas, se tornarão totalmente insubordinados, e finalmente, se desintegrarão.
Naturalmente o general poderia matar os soldados desobedientes. Mas se fizesse isso eles já não seriam úteis em seu exército, e ele necessita de todos eles para que o exército permaneça completo. O exército deve estar completo, para que o general seja supremo no seu campo de batalha. O que ele tem que fazer é eliminar as práticas e tendências que destroem a disciplina. Só ele pode fazer isso.
Seus esforços são dificultados pela ignorância, pela falta de motivação, pelas características adquiridas dos elementos que compõem os seus soldados; pelas suas próprias táticas equivocadas do passado; pela sua falta de firmeza para impor obediência à sua vontade. Estes fatores constituem os dois grandes obstáculos em seu caminho: a inércia dos soldados individuais, e os elementos rebeldes e indisciplinados em suas subdivisões menores.
Confiança em si mesmo, confiança em sua própria habilidade de aprender e aplicar a ciência da guerra, e aação a partir destas duas bases, formam a trindade que irá fazer do ser humano um Mestre do seu exército.
Quanto mais nós postergarmos, quando mais adiarmos e tentarmos contratar, subornar ou induzir outro indivíduo para que ele faça nosso trabalho por nós, mais o nosso exército se tornará difícil de controlar. Quanto mais ouvirmos o clamor dos soldados, quanto mais aceitarmos as suas falhas por falta de disciplina, tanto mais difícil será nossa tarefa. Quanto mais fugirmos e recuarmos do estudo e do esforço, tanto maior será a montanha de inércia a ser enfrentada e vencida.
Em muitas vidas diferentes já tivemos que morrer, isto é, de dispersar o nosso exército, sem cumprir a grande tarefa. Conseguimos aprender algo, mas há duas coisas que ainda não conquistamos:
* decisão - confiança em nossa capacidade e nosso propósito -; e
* trabalho, o esforço contínuo por aprender e aplicar nosso ensinamento.
Para aprender estas duas coisas é necessário ter autodisciplina. Porque a Natureza, em todo lugar, é sempreuma ordem de acordo com o mérito.
NOTAS:
[1] Título original: “The Law of Retardation”. (C. C. A.)
[2] Os sete princípios ou níveis da consciência humana, em teosofia original, são: 1) Sthula-sharira ou corpo físico; 2) Prana ou vitalidade; 3) Linga-sharira ou “duplo sutil”, que reúne o patrimônio genético e os registros cármicos físicos da vidas anteriores, e indica os caminhos pelos quais a vitalidade deve chegar ao corpo; 4) Kama ou centro de emoções pessoais e animais, incluindo medo e ambição, dor e prazer, e lembrança e apego ou rejeição a tais emoções; 5) Manas ou mente; 6) Buddhi ou alma espiritual, a luz do eu superior, centro da percepção da fraternidade universal; e 7) Atma, a fagulha divina, a fonte da luz espiritual, a estrela, o eu superior, o princípio supremo, universal e impessoal. (C. C. A.)
[3] Veja a nota anterior. Deve-se levar em conta que cada um dos sete princípios da consciência possui sete aspectos ou subprincípios. Estes por sua vez também se subdividem em um sem-número de hábitos, possibilidades e unidades energéticas. (C. C. A.)
[4] A astrologia mostra que cada ser humano vive a todo momento um diálogo, ainda que inconsciente, com as influências dos diferentes planetas do sistema solar, conforme os planetas avançam ocupando diferentes posições no zodíaco, ou mapa do céu. (C.C. A.)
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